terça-feira, junho 21, 2011

18092010

- Não! Isso é impossível
     -Lhe digo caro amigo, não só é possível como aconteceu com... Um conhecido.
-Está então me dizendo que é possível alguém, escapar da vida de vícios e tornar-se um homem bom padre?
-Sim
-Como?
-Vou lhe contar a Historia desse sujeito:
“Quase 20 anos atrás um homem, que não contava com mais de 25 invernos, tinha um grande apreço pelas coisas viciosas e prazerosas da vida. Andava de cassino em cassino, de festa em festa e de orgia em orgia. No começo somente nos fins de semana.
     No entanto o prazer dos jogos e a diversão das orgias começou a penetrar sua mente com cada vez mais força. No começo pouco mudou. Mas com o tempo começou a entregar-se à carne quase todos os dias da semana.
     Ao final de um ano, com a chegada de seu 26º inverno, já tinha trocado seu emprego pelas festas e sua casa pelos bares. Todo o dinheiro que ganhava ia ora para mulheres ora para bebidas. Na maioria das vezes bebia as custas de amigos mesmo.
     -Padre, como pode uma pessoa tão perdida voltar ao caminho de...
     -Se você me deixar terminar, verá!
“Ao fim de um ano, como estava dizendo, já estava entregue aos vícios. E assim ficou por um tempo difícil de determinar. Aconteceu que, numa noite escura, o rapaz voltava para casa meio confuso e muito bêbado. O mundo dava pequenas cambalhotas e os postes pareciam dançar. Muito longe naquela mesma rua viu um homem caminhando em sua direção. Como a iluminação da rua era escassa, de quando em quando o homem desaparecia para voltar a aparecer no próximo poste.
Nesse jogo de esconde- esconde, o homem ia se aproximando cada vez mais. O rapaz estava começando a ficar meio aflito com aquela misteriosa imagem. Pulou então dois passos para a direita, e continuou em frente. O homem fez o mesmo. Voltou então à posição original e foi imitado pelo homem, com a perfeição de um espelho.
Parou então entre os postes e ficou oculto na escuridão, onde não poderia ser visto. Esperou quase dois ou três minutos e depois voltou a andar sentindo-se o mais malandro dos malandros, enganara o homem e... Lá estava o homem andando em sua direção novamente
Ao entrar na escuridão mais uma vez o rapaz mudou de lado na rua e entrou embaixo do próximo poste, do outro lado o homem fazia o mesmo. Saiu da escuridão do mesmo lado que o rapaz estava agora. A raiva tomara conta do rapaz. Raiva profunda do homem que o seguia, raiva também de ter esquecido o seu copo de cerveja ainda pela metade no bar.
Sufocado por essa raiva, ele sai da escuridão em direção ao homem, iria confrontá-lo.
Morreria se fosse preciso mas mataria aquele homem, oh sim... Nem que lhe custasse à vida. O mundo parara de girar e os postes já não dançavam, o vento tinha parado de soprar e o mundo parecia enfim parado, o único que se movia era o rapaz.
     E o homem, que corria com velocidade e determinação em sua direção. O rapaz pensou ter visto seus olhos brilharem de raiva. Correram em silencio, odiaram e silencio e chegaram enfim ao ultimo poste também em silencio.  Pararam na ultima réstia de escuridão antes de adentrarem a luz como se calculassem a profundidade de um lago. Ficaram a pensar oque viria em seguida até que ambos quebraram ao mesmo tempo a inércia.
     Deram o ultimo passo e mergulharam na luz, e finalmente se encararam. Notaram então ao mesmo que possuíam os mesmos olhos e a mesma pontinha do nariz torta por causa daquela cotovelada que levara infância.
     Mas o rosto do homem tinha profundas rugas, e usava trapos muito sujos e rasgados e era somente isso que os distinguia. Somente? Não... Um lenço  muito manchado e velho cobria toda a boca do homem. O rapaz olhava para seu reflexo sem existir espelho algum. A raiva agora era medo. Agora era terror. As palavras não tinham força para sair-lhe pela boca, e os gritos morriam na garganta.
     Sem conseguir se mover, eles ficaram lá parados. Mas o homem começou a se mover, a mão dele foi se aproximando do lenço, e depois do nó que segurava o lenço. Os dedos longos e machucados começaram a desatar o nó. O lenço foi caindo pouco a pouco, como se fosse um filme em câmera lenta. Centímetro por centímetro a boca do homem foi se revelando.
     Centímetros de feridas. Centímetros de sujeira e de pedacinhos de pútrida pele penduradas na cara do homem. Buracos em suas bochechas exibiam dentes pretos. Dentes pretos e afiados como navalhas, que o jovem viu surgir por entre os lábios sujos do homem. Algo parecido com sangue seco estava grudado numa das navalhas.
     O Cheiro e a visão convenceram o rapaz que não valia a pena ficar para ver mais e desandou a correr por onde viera, mas não parou quando passou na frente do bar. Continuou correndo até que percebeu que o sol tinha nascido e que já não era seguido.
     Depois disso o rapaz nunca mais se entregou a mais nenhum vicio de antes, pois Entendeu o ocorrido como um sinal divino”
     - Ora essa padre! Não precisava inventar historias fantásticas! Francamente!
     - Mas não estou inventando nada!
     - Padre não zombe de mim com essa historia para assustar crianças... Tenho mais oque fazer! Passar bem!
     O padre ficou só na sala e lá permaneceu sentado até ouvir o portão da igreja bater. Então se levantou e foi um canto da sala onde estava o vinho que usaria na missa de hoje, entornou quase meia garrafa e foi até o banheiro. Lavou o rosto com água da torneira e enxugou o rosto numa toalha de linho.
Encarou no espelhinho que ficava na parede olhos negros, seu nariz com a pontinha meio torta e achou graça nos dentes agora ligeiramente gastos.






18-09-2010




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